Profissionalização origina bases sólidas

Profissionalização origina bases sólidas

Se não existe receita para se criar um filho e boa parte do sucesso de uma vida em família vem do respeito mútuo e alinhamento coletivo, nas empresas familiares a situação é ainda mais delicada. Por isso, entender o papel de cada membro para a organização, respeitar habilidades e desejos individuais e alinhar expectativas são determinantes.

Mas isso não acontece de maneira fácil e, raramente, de forma espontânea. Para evitar desgastes que possam colocar a empresa em risco e abalar as relações familiares, muitas organizações buscam por programas de formação de acionistas.

A busca por profissionalização sem que seja preciso colocar terceiros na gestão, evitar disputas em uma eventual sucessão e garantir a perenidade da empresa são os principais motivos que levaram os fundadores a buscar uma capacitação para transformar o que era uma família dona de empresa em uma verdadeira família empresária.

Considerada uma das maiores transportadoras intermodais da América Latina, a Transpes, com sede em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), já se aproxima da sexta década em operação. Atualmente a empresa é comandada pela terceira geração.

O cargo de CEO foi ocupado por 25 anos por Sandro Gonzales, que há dois anos preside o Conselho de Administração. Foi na gestão dele que a transportadora passou por um programa de formação de acionistas.

“A capacitação e a implementação da governança para a família empresária é fundamental. Começamos em 2014 e incluímos as três gerações no programa. É importante para conhecer os riscos , as variáveis possíveis dentro de uma família empresária. Ao mesmo tempo que a família tem um poder de trazer insights muito grande, também pode se transformar em um ambiente indócil e destrutivo rapidamente”, avalia Gonzales.

O grupo passou por todas as etapas do processo: criação do conselho de administração, contratação de conselheiros externos, estabelecimento do acordo de sócios e criação do conselho da família. O objetivo principal era criar um modelo de governança capaz de garantir a continuidade dos negócios, separando os patrimônios da empresa e da família.

“Os pequenos acordos têm que estar sobre a mesa. Já tínhamos passado pela primeira sucessão mas entendemos que ainda existiam outras variáveis que precisam ser resolvidas. A partir do programa, pudemos focar no planejamento estratégico para acelerar os negócios. As polêmicas familiares gastavam muito tempo. Já não perdemos mais energia nesse processo e todos estão mais satisfeitos. A neurociência já mostra que em um ambiente feliz as pessoas produzem até 20% mais. A função de um líder é construir esse ambiente positivo dentro das organizações. Toda a terceira geração passou por um processo para conhecer qual a melhor trilha de carreira dentro das empresas do grupo. Isso permite aos jovens fazerem suas escolhas, porque não necessariamente eles vão trabalhar no negócio da família”, pontua o presidente do Conselho de Administração da Transpes.

Fundada em 1979, pela empresária Cláudia Mourão, a marca mineira de sapatos e acessórios Equipage passou pelo processo em 2016. O objetivo, segundo ela, era separar as demandas da família das demandas da empresa sediada em Belo Horizonte.

“Somos uma empresa de varejo. Procuramos esse projeto porque eu sentia a necessidade de separar empresa e família. Tenho quatro filhos, sendo que três trabalham na empresa atualmente. Eu via a necessidade de ter limites e regras para que eles fossem realmente felizes, atingindo o seu desejo profissional”, explica Cláudia Mourão.

Temas como disciplina, pontualidade e objetividade nos encontros de trabalho – que na família podem ser tolerados – foram extremamente trabalhados na vivência corporativa. As herdeiras alcançaram a posição de executivas, recebendo capacitação para isso. Hoje, cada uma lidera uma área específica que foi decidida de acordo com as aptidões e desejos profissionais: marketing, financeiro e comercial. A mãe segue como presidente da empresa. “Elas foram preparadas para isso e hoje recebem remuneração de mercado.

Elas têm que dar o exemplo, têm que fazer mais do que uma outra pessoa de fora da família. Não é fácil. Usamos até hoje a tática: quando os assuntos são profundos demais, terminamos a reunião e marcamos uma outra com toda a cerimônia que uma empresa exige. Nossa maior riqueza é a relação com os colaboradores, por isso elas têm que ser exemplo. A família empreendedora tem que ser muito verdadeira, muito clara nas suas metas, sentimentos e sempre cultivar a memória, no nosso caso, de quatro décadas”, resume a presidente da Equipage.

De maneira diferente, a história da presidente da Regga Gramados e Jardins, Jaice Andrade Pedrosa, passa pela ausência de outros herdeiros. Filha única, era natural que ela herdasse o negócio fundado pelo pai, porém, foi durante a formação de acionistas que isso se tornou claro. Tudo começou pela necessidade de sanear a primeira empresa para que ela tivesse continuidade. O programa de formação foi feito em 2012 e uma nova empresa foi criada em 2016, também na Capital. A passagem de bastão, porém, só aconteceu em 2019. Ao todo, já são 45 anos de negócio familiar.

“As empresas familiares acham que todos têm que operar, participar, mas não é assim. Com a preparação do programa, entendemos o que cada um é. No nosso caso éramos eu e meus pais. Logo no início percebemos que minha mãe não tinha perfil para ficar dentro da empresa. Ficamos nós dois. Então, ou eu me preparava ou colocávamos alguém de fora. Tínhamos a Enarpe e a crise de 2014 abalou bastante a empresa. Atendíamos três segmentos. A ideia era preparar a empresa para que duas partes fossem vendidas e ficássemos apenas com a terceira, que deu origem à Regga”, relembra Jaice Andrade Pedrosa.

Fonte: https://diariodocomercio.com.br/gestao/profissionalizacao-origina-bases-solidas/

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