Mágoas revestidas de memórias: o resultado da falta de comunicação

Mágoas revestidas de memórias: o resultado da falta de comunicação

Não será a primeira vez que, nós consultores, tratamos a família real como uma empresa familiar. Apesar de não serem responsáveis por uma empresa operacional, ainda assim é uma família real britânica que representa a monarquia. E, como tal, sabe a dor e alegria de ser o que é.

Príncipe Harry é a manchete do dia; melhor, de todos os últimos dias, na verdade. Lançado no dia 10 de janeiro, “Spare[l1] ” (*), um livro de memórias do Príncipe Harry. É, na verdade, pelo que vem sendo publicado na mídia, um grande desabafo do filho mais novo do Rei Charles, que, em janeiro de 2020, renunciou aos compromissos da realeza, alegando o desejo de proteger a sua família. Todos nós sabemos que a imprensa britânica não é fácil e vive às custas da privacidade da família real, mercado que pode render muitas libras.

Entretanto, o que se pode perceber é que, mais do que um livro de memórias, Harry escolheu um caminho perigoso, por que não dizer, podendo ser irreversível. Seu relato está mais para uma “lavação de roupa suja”, no bom brasileiro, do que somente memórias de infância e adolescência – até porque o filho mais novo só tem 38 anos e nem tem tanta história para contar. Várias passagens têm sido publicadas pela imprensa, como a briga física dele e o irmão mais velho, Príncipe William; o pedido dos irmãos para o pai não se casar com a rainha consorte do Reino Unido, Camila Parker; o desentendimento de sua esposa Megam Marke e Kate Middleton, quatro dias antes do seu casamento. Memórias sim, mas fica a pergunta: precisava?

A vida de uma família empresária com representatividade na sociedade é pública e de interesse da sociedade. No caso da família real, é de interesse mundial. Hoje, estamos todos acompanhando a “série” em episódios diários, desde a mudança do casal para os EUA. Muito se especula de como os bombardeios de Harry estão sendo recebidos dentro do Palácio de Buckingham. Algumas notícias revelam a decepção do pai, do irmão e até mesmo da cunhada, que foi vista com o rosto abatido. Já outros ventilam o desejo por um pedido de desculpas; o que, para muitos, é impensável. Estudiosos dizem que, se a reconciliação entre os irmãos já era difícil, agora parece improvável.

No enredo desta novela, gostaria de destacar dois pontos que me parecem relevantes:

  • O quanto a falta de um ambiente de confiança que contribua para uma comunicação é prejudicial para uma família empresária (ou para todas, podemos dizer).
  • E o quanto que esta exposição pode ser fatal para as relações familiares.

A construção de um ambiente de confiança que permita que a comunicação flua sem grande dificuldade é fundamental para uma família empresária saudável. Comunicação não significa concordância; mas quer dizer que a nossa família tem maturidade para compreender que todos têm suas opiniões, pontos de vista distintos e, especialmente, devem ser respeitados. Sabemos que todas as famílias têm seus assuntos delicados e sensíveis.

Sobretudo por causa deles é fundamental a construção de um ambiente de confiança. Isso significa dizer que uma família saudável tem a prática de se reunir para conversar, que não tem medo de abordar os temas delicados, que todos da família têm espaço para se expressar e, especialmente, que todos são escutados e respeitados na sua opinião. Gosto muito de dizer que uma boa comunicação precisa necessariamente de dois elementos: escuta empática e a fala adequada.

E, com este respeito, as conversas acontecem na busca de um entendimento comum possível. Infelizmente percebemos, na maioria das vezes, as famílias fugindo dessa conversa e adotando o que chamamos de modelos negativos de comunicação, que são:

Evitação – “Eu não falo mais nada”. “Prefiro não falar com ele”;

Triangulação – “Fale com fulano. Não me meta mais nisso, pois não quero problemas”; “Diga a beltrano que assim não podemos continuar e que mude seu comportamento”;

Negação – “Na verdade, nós nos comunicamos muito bem”; “Sempre concordamos”;

Acusação – “Ela é uma pessoa de personalidade insuportável. Eu faço o que está ao meu alcance, mas ela não muda”.

A célebre frase do famoso comunicador Chacrinha reflete bem a necessidade de toda família empresária, “quem não se comunica, se trumbica”.

Na explosiva entrevista concedida à apresentadora norte-americana Oprah Winfrey, Harry e sua esposa revelaram as diversas vezes que tentaram conversar e buscar um caminho para as dificuldades que Megan estava enfrentando. E, pelo que narraram, as respostas encontradas sempre foram “o sistema funciona assim”. Seja exatamente assim ou não, o que se percebe é que, ao contrário do que esperamos do ambiente familiar, o casal real não encontrou no seio de sua família a proteção e o aconchego que todos nós buscamos. Muito pelo contrário.

Encontramos muitas famílias que – e arriscaria dizer que assim é na família real -, na ilusão de evitar conflitos, não conversam. Assim, o filho que aos olhos inocentes parece ser o “filho problemático da família real”, pode ser o filho saudável que apenas busca autonomia e liberdade para viver a vida que escolhe para si.

Só não devemos confundir esta busca por autonomia com exposição desnecessária. Assim estou entendendo o novo capítulo das memórias de Harry. Falar da sua infância, das suas experiências, de seus sentimentos com o falecimento precoce da mãe é aceitável. Mas, no meu ponto de vista, Harry está indo além, chegando a ultrapassar o limite. À medida que expõe a intimidade dos membros da família real – que são seus familiares – extrapola o razoável.

Acredito que não temos o direito de expor o outro e a nossa família em suas fragilidades. Para mim, soa muito mais como ataque do que memórias, como ele define em seu livro autobiográfico. Ataque é o quarto modelo de comunicação negativa, na verdade, uma bomba-relógio para a explosão de conflitos explícitos. Avalio que, até o momento, Harry e seus parentes estão vivendo conflitos ainda velados, ou existentes somente dentro dos muros do castelo real. Acompanhamos diariamente as manchetes dos jornais para ver o dia que a bomba vai explodir.

A verdade é que todas as famílias têm suas questões. Não existe família perfeita. Conflitos fazem parte da natureza humana, seja em relações de casal, entre pai e filho, irmão e irmã, mãe e filha, tia e sobrinhas, namorados e até amigos. O que diferencia uma família da outra – e que revela se uma família empresária vai sucumbir às estatísticas mundiais de mortalidade – é a forma que a família opta para lidar com seus conflitos. Como descrito acima com os modelos negativos de comunicação, pode-se optar por negar os conflitos e decidir por não falar deles. Ao que conta Harry nos últimos anos, dentro de sua família, pouco se enfrenta os assuntos delicados.

Mas isso, acredito, não o autoriza a tornar público a intimidade das dificuldades, ou como gostamos de dizer, “jogar farofa no ventilador”. A palestrante e escritora Brené Brown vangloria a exposição da vulnerabilidade. Ainda assim, devemos diferenciar a escolha de expor a si próprio e suas vulnerabilidades à decisão de expor toda a família e tornar público uma briga familiar. Hoje assistimos de camarote a briga familiar. Na minha experiência poderia dizer que esta escolha pode acarretar sérias consequências, como o total rompimento das relações familiares e de irmandade, no caso de Harry e Willian. Fora o dano emocional para as pessoas envolvidas neste contexto, não podemos ignorar os problemas que serão causados para o ambiente empresarial e a saúde financeira de um negócio, cujos acionistas têm suas relações rompidas. Não será diferente para a monarquia.

Mesmo sem ter ainda lido o livro, arriscaria em dizer que este é o resultado da falta de comunicação em uma família empresária ou real. Uma coleção de mágoas, ausência de ambiente transparente e de confiança para um diálogo com falas adequadas e uma escuta empática para que todos se sintam respeitados e ouvidos. Ainda vou ler. Mas já adianto minha percepção: comunicação, privacidade e respeito ao outro é um tripé que faz muito bem a todas as famílias empresárias.

Fonte: https://www.linkedin.com/pulse/mágoas-revestidas-de-memórias-o-resultado-da-falta-gonçalves/

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